Confesso que foi muito difícil arrumar minhas malas e deixar GOA, cidade na praia, quentinha, cheio de festa, cerveja gelada e gente interessante. Mas a vida que segue, e viajar é vida, que segue. Então bora lá pra Udaipur.
Uma rápida descrição da cidade:
A rua é o caos, tuc -tuc passando pra todo lado, stupas (monumentos) de tijolo espalhados no meio do caminho, todo mundo andando se esbarrando, locais, monges, turistas, artesões de marmore trabalhando em todo canto, uma cacofonia de sons e informações. Mas quando você sobe num rooftop, puff, a cidade te silencia. Ela é linda. Rodeada por lagos, montanhas, pontes e vida.
Acho que aqui foi a primeira vez que eu tive a real percepção da palavra que eu acredito que define a India: contraste.
Começa no caminhar pelas ruas, que ao mesmo tempo que você ve um caos de gente e de classes sociais, você ve maravilhosas esculturas e stupas espalhados pela cidade.
Ao mesmo tempo que você vê pobreza em sua forma mais nua e cruel, como uma pessoa numa situação que vc nem considera que seja humana, encostada na parede de um dos templos mais lindos que você vai ver na sua vida.
Nos 3, 4 dias que eu passei por lá, eu vi as melhores e piores coisas da minha vida. Ok, eu sei que eu falo isso muito. Todo templo que eu vejo é o mais bonito, toda tristeza que eu vejo é a mais triste. Mas assim é a vida: aprender a apreciar tudo por si só, sem comparação, porque se não, a vida perde a graça.
Normalmente, eu tento fazer todos os tours por conta, ir perguntando na rua, caminhando, pegando tuc-tuc separado. Mas a India me assusta, então pra poder aproveitar o melhor daqui e me sentir segura, a gente fechou um pacote de turismo de dois dias com um tuc-tuc.
O primeiro lugar que a gente foi é um ponto que eu confesso que eu acho muito sem graça, e que eu definitivamente não visitaria se não fosse um pacote fechado. Um jardim. Não qualquer jardim, mas O Jardim da Princesa. Ok, beleza, é um jardim, é bonito. Mas gente, eu me enfio no mato em qualquer oportunidade, eu amo arte então to sempre vendo as esculturas ao redor.
A única diferença era que ali estava limpo, e que não tinha a existencia da pobreza visivel. Mas você vai ver esculturas muito mais bonitas só caminhando pela cidade, e que além de tudo são muito mais reais. Mas tem gente que gosta, então acho válido. Essa é só a minha opinião.
Os próximos pontos foram um Mirante e o Templo Cekiikre.
E só o caminho até lá já compensa o passeio. Como é um pouco longe você pode ver o interior da cidade, que é uma mistura de agressivo com passivo. Em palavras mais padrões, é um terreno meio árido. Mas além da visão linda do trajeto, a melhor parte pra mim, foi ouvir as histórias que o tuc-tuc contava. Eu amo ouvir história né? Então pra mim essa é sempre a melhor parte.
No caminho, além da paisagem linda, tinha o complemento de uns vilarejos beeem pequenininhos, tipo, coisa de uma ou duas casas. Acho que faz mais sentido dizer que são pequenas fazendas soltas né?! 🤔
O interessante, que essas minis fazendas, apesar de serem super afastadas e sem energia, tinham uma vida movimentada em volta. Não importa o quão longe a gente ia, a gente sempre via um monte de crianças brincando, mulheres lavando roupa, cozinhando, vivendo a vida. E enquanto a gente passava o tuc-tuc contava. Eles tem que fazer tudo que precisam até as 17, porque depois tem que ta todo mundo dentro das casas. Com portas trancadas.
– Pq?
Pergunto eu pensando na lógica disso. Talvez fosse o sol, mas dai, porque o enfase na informação das portas trancadas?
Ele responde como se não fosse nada.
– Ah, tigres. Se não eles viram alimento de tigres.
Observação, eu não lembro se é tigre, leopardo, ou tigre dente de sabre 🤦🏽♀️😂, só sei que é um desses felinos ai que come gente!
Chequei, mais uma vez, assim como quem não quer nada, que horas eram e quanto tempo a gente ia levar pra fazer o tour.
Momento filosofando aqui. Sabe quando vc acorda com aquela larica no meio da noite e resolve pedir um ifood? Se você fizer isso aqui, você tá pedindo um ifood pra vc, ou pro leopardo/tigre/leão/dente de sabre? 🤔
Aqui não vale a pena pagar antes da entrega! 😂
Mas ok, Tamo indo pro Mirante! Mirante lindo, olhamos a paisagem, paisagem linda! ta ai a fotinha
Depois fomos pro Templo Cekiikre, que eu particularmente fico em eterno contraste a respeito dele. O templo em si é normal, bunitinho, mas nada de especial, mas o legal é o tanto de macaquinho por ali, ainda mais que o tuc-tuc rancou um salgadinho da mala e deu pra gente alimentar os putinhos.
Veja bem, nessa época eu achei o maximo! Tava alimentando os macacaquinhos mano, mór fofinhos. pulando, que lindo os macaquinhos! ❤️ Eles pegavam o salgadinho da mão e olhavam pra gente como se a gente fosse o amor da vida deles! aaaai que lindos!
Eu era o amor da vida daqueles macaquinhos.
Bom, pelo menos o amor da vida de alguém eu fui 😅
Porém hoje, no dia que vos escrevo, muita vida/Asia ja me aconteceu, e hoje me encontro num momento onde eu odeio esses putos. Mas isso é pra outras histórias que eventualmente contarei pra vocês.
Alimentados os putos, fomos pro próximo ponto, o Tiger Lake, hmmm, pensando aqui se o nome do lago da cidade é Tiger Lake, é provavel que o animal que ataca as vilas seja um tigre, não um leopardo dente de sabre né?! Faz sentido.
Mas então o Tiger Lake é, rufem os tambores, um lago. 😂😂
Bonito, claro! Bom pra tirar foto!
Só prestem atenção onde vão sentar, porque eu que não presto atenção em nada, acabei sentando em alguma coisa que manchou a minha calça na bunda. E como as pessoas na Asia não são conhecidas por terem bunda, eu demorei muito até achar uma calça que coubesse na minha bunda, e tive que usar uma calça manchada na bunda por quase um ano, até achar uma que passasse pela minha bunda. 🥹
Bunda, bunda, bunda.
Terror a parte, voltamos pro hostel, antes da 17 obviamente. E fomos beber e comer no rooftop do hostel, onde eu sempre encontro o meu amor. Veja bem, existe uma coisa nessa mundo pelo qual eu sou apaixonada de verdade. Que realmente faz meu coração fazer tum-tum. Teve uns puto ai que chegaram perto, mas nunca como isso. Por esse amor eu acordo as 3 da manhã e subo montanha, caminho horas, passo frio, cancelo todos os roles, mudo itinerário. Por esse amor…
O por/nascer do sol, que eu sou realmente obcecada. E dali do rooftop do hotel que escolhemos exclusivamente por causa disso, a gente foi privilegiado com A visão do sol se pondo depois da cidade, do lago e entre as montanhas. Tum tum, tum tum, tum tum.
No dia seguinte, a gente deu um rolezinho basico por ali antes de ir pro próximo tour. Eu sempre me impressiono com a aleatoriedade das coisas. Você esta andando tranquilamente por uma rua normal, que você ja caminhou por diversas parecidas, achando que nada vai te surpreender, e de repente vc encontra um pequeno detalhe, uma visão, uma stupa, um cotidiano que te tira dali.
Que foi igual ao tuctuc que pegou a gente e nos levou pra fora da cidade pra visitar um cemitério. Sim, um cemitério. No caso ali é um ponto turistico, mas vou abrir meus pensamentos antes de continuar sobre o mesmo.
Eu acho que a relação das culturas com a morte e os mortos diz muito sobre o estilo de vida de uma sociedade. Quando baseadas em medo e castigo no pós morte, sociedades tendem a ser muito mais voltadas para opressão e tristeza, enquanto sociedades onde o pós morte é um resultado da vida atual, tendem a ser mais pacificas.
No hinduísmo, o processo de nascimento e renascimento é considerado uma transição de almas, que ocorre indefinidademente até que você alcance o moksha (sei la como escreve), ou a liberação da alma que acontece quando o seu interior e a sua realidade são um.
Em contradição, o país é um país de castas. Onde você não tem ascensão ou direitos que não se enquadram a sua casta atual
Vemos uma sociedade violenta, onde pobres cremam os corpos nos rios e os ricos constroem tumulos em formas de castelos em cemitérios extremamente extravagantes.
Sim, é lindo de visitar, os tumulos são praticamente palácios em homenagem aos mortos, com esculturas e representações. Que fazem jus a qualidade da vida atual e da futura.
Lembrando que Taj Mahal é um tumulo.
Casais tem tumulos um na frente do outro, onde até as formas dos topos dos “tumulos” representam um status e genero.
É lindo, mas também em analise, interessante.
Mas continuando o tour, a gente foi pro Silver Temple depois disso, só pra continuar as minhas filosofias, aguentem comigo meu povo.
O Silver Temple é basicamente um templo todo feito de prata. Coisa mais linda, mas é proibido tirar foto, então vcs tem que aceitar a minha palavra ou pegar um voo pra India e ir la conferir, o que eu recomendo 🙃
Mas então meu povo, assim que a gente entrou, eu fui numa fila que eu achei que era pra organizar a visita no templo. Querendo absorver cada detalhe do templo deixei de perceber o destino da fila. Que só me ocorreu quando eu me encontrei de frente a um monge jogando incenso na minha cara e falando uma reza em uma lingua que eu desconheço. Desconcertada e sem saber o que fazer, apenas repeti o que os outros estavam fazendo e sorri.
Confusa, agradeci. Sem entender, espero que tenha sido abençoada.
Deveria ter desconfiado, organização e India são palavras que não combinam.
Vou tentar descrever o meu sentimento naquele momento. Curiosidade pra começar, porque, até então, eu nunca tinha participado de nenhuma cerimônia diferente do meu mundo. Tipo cristã, católica, budista (eu sou budista), então demorou um pouco pra eu perceber o que tava acontecendo, mas quando eventualmente eu entendi, eu me senti confusa. Por um lado eu fiquei com medo de desrespeitar a cultura por estar em um lugar considerado sagrado pros fiés sem nem ao menos entender a religião, por outro, as religiões asiaticas são muito abertas à passar os ensinamentos sem a necessidade de te converter. Também me sentia privilegiada, por mais caótica que a India fosse, eu sabia o privilégio que eu tinha em estar vivendo aquilo.
Mas vamos la, recebida a benção, fomos para o próximo templo: o templo de marmore.
Vocês estão entendendo né? Eu saí de um cemitério todo feito de palácios, pra ir pra um templo todo feito de prata, e depois visitar um todo feito de marmore.
Entendeu a beleza da India?
Mano, esse lugar é a coisa mais linda, pra começar ele é em relevo. então parece uma construção de um templo em cima de uma mesa.
As contruções são ricas em detalhes, e escuturas, onde parece que cada detalhezinho foi super pensado. E é tudo datado de trocentos anos atras.
Interessante, a gente ve os governos gastando milhões em construções bem básicas e que não duram nem uma vida. E ai vc se depara com construções que foram feitas, sei lá, antes do big bang, que ainda estão intactas, firmes e ricas em detalhes.
O diabo ta nos detalhes. Tipo o fato de que agora existem direitos trabalhista e antigamente escravos. Então fica complicado se posicionar. 🥸
Com o passeio terminado, antes das 17, voltamos pro nosso rooftop pra ver mais um por do sol, jantar e beber.
Já no último dia a gente foi turistar por ali mesmo, ou seja, compras, comida e tatuagem 😬
Junto com o tatuador desenhei uma ganesha, que é considerado o deus, ou energia, que limpa os obstaculos e prepara o caminho pra você seguir na vida. A cabeça de elefante representa sabedoria e compreensão, além da distinção do tipo de inteligencia que um precisa ter pra atingir a perfeição na vida.
Energia que naquele momento, e até hoje, fazem muito sentido pra mim
E acredite se quiser, eu tenho essa tatuagem até hj, pq ela não sai nem com sabonete. 😂😂
Udaipur terminou ai, mas antes de terminar esse post, eu queria compartilhar algo que eu vivi ali
Antes de ir pra India, eu ja tinha ouvido falar muito sobre como era a cultura, mas mesmo sendo avisada, tem coisa que ainda chocam.
Eu não lembro exatamente em qual momento aconteceu. Mas lembro que em algum momento eu sentei na porta de uma loja, não lembro o porque, e comecei a conversar com uma moça que estava sentada por ali.
Eu nem lembro do que a gente tava conversando, mas lembro que tava dando risada, quando o tuc tuc, que foi uma das pessoas mais simpaticas e boazinhas que até então eu tinha conhecido na India, veio super bravo me apressando pra gente ir embora.
Eu sem entender nada, dei tchau pra moça e fui. Eu lá vou brigar com o cara que eu to pagando pra me manter segura?
Entrei no tuc tuc e ele todo bravo falou pra mim que eu não poderia conversar com aquela mulher. Eu chocada, imaginei mil razões. Ela era uma criminosa? Ia me roubar? Uma conhecida dele que ele odeia? Ou uma mulher sagrada e eu como turista imunda estava ofendendo a religião em conversar com ela.
Não, nada disso, eu tava errada em conversar com ela porque ela é de uma casta inferior, E nas palavras dele, eu não poderia conversar com ela porque ela era inferior a minha pessoa.
Ouvir essas palavras ditas assim, sem nenhum pudor, foi uma das coisas mais chocantes que eu vivi. Em retrospecto, não é muito diferente do que acontece no mundo inteiro entre as classes sociais e os preconceitos. Mas assim dito tão abertamento, tão aceitamente, tão convicto como certo.
Eu não soube nem o que responder. Eu realmente nem soube o que responder.
E acho que até hoje, eu ainda não sei como responder.
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